A realização, distribuição e exibição de filmes constituía um sofisticado subsistema das políticas culturais dos antigos Estados comunistas. O processo era gerido por empresas pertencentes ao Estado e o sistema centralizado apoiava e financiava um grande volume de produção audiovisual, o que, por seu turno, conduziu à criação de uma vasta comunidade de profissionais do sector audiovisual altamente qualificados.
Após o desmoronamento dos regimes comunistas, desintegraram-se igualmente os sistemas de apoio e de controlo do sector audiovisual. Será talvez irónico, mas a contribuição da Europa Central e Oriental para o desenvolvimento do cinema europeu foi sem dúvida maior antes de 1989 do que depois dessa data.
O sector audiovisual na Europa Central e Oriental registou profundas transformações desde 1989. A direcção e o ritmo das mudanças, contudo, divergem consideravelmente de um país para outro.
O subdesenvolvimento económico e a ausência de um verdadeiro mercado em alguns países significa que estes podem, na melhor das hipóteses, ser considerados mercados latentes. Em maior ou menor grau, esses países apresentam, no domínio dos meios de comunicação social, as seguintes características:
O desmantelamento dos monopólios televisivos deparou-se igualmente com dificuldades técnicas:
A República Checa constitui um bom exemplo da abordagem dos desafios colocados pela era pós-comunista. Este país dispõe de um mercado de publicidade relativamente amplo e praticou uma política liberal de não limitação à participação estrangeira nas empresas de radiodifusão; não foram fixadas quotas de produção nacional nem de produção independente. A limitação do tempo de antena para publicidade na televisão pública foi muito moderada. A televisão privada foi introduzida através da concessão de uma licença a um canal nacional (TV Nova), tendo-lhe sido confiada uma rede de transmissão nacional já existente, através da supressão do Canal 1 da televisão estatal. O novo canal constitui um sucesso espectacular (quer em termos de quota de audiência, quer em termos de receitas de publicidade) e converteu-se numa força dominante no mercado. Contudo, este sucesso baseia-se sobretudo em programação importada: em 1995, esta constituía 53 % do tempo de antena, representando as importações americanas 34 % do total das importações. A TV Nova encontra-se praticamente numa situação de monopólio no mercado checo de televisão, embora a qualidade da sua programação e mesmo a objectividade dos seus serviços informativos já tenham sido questionados.
A Polónia oferece um exemplo contrastante. Concedeu-se igualmente uma licença a um canal privado nacional, mas o facto de este ter tido de construir uma rede nacional de televisão a partir do zero significou que não teve durante muito tempo a possibilidade de competir eficazmente com a televisão pública polaca. A televisão polaca não se encontrava limitada em termos de acesso ao mercado da publicidade, e, graças às receitas provenientes desta fonte, desenvolveu-se fortemente, transmitindo actualmente 2 canais nacionais, 1 canal por satélite e 12 canais regionais. À grande dimensão do mercado juntou-se um crescimento acelerado das despesas com publicidade, uma escassa participação de capital estrangeiro nas empresas de radiodifusão e elevadas quotas de produção nacional e estrangeira. A isto acresce o facto de autoridade de regulamentação e de concessão de licenças, o conselho nacional de radiodifusão, requerer a todas as estações de televisão que invistam na produção audiovisual. O mercado de televisão polaco e o sector independente de produção oferecem, como resultado desta política, uma imagem próspera e pluralista.
Nomeadamente, a indústria cinematográfica polaca parece ter sobrevivido à crise de transição, encontrando-se actualmente presentes todos os elementos de um novo sistema de financiamento - nível reduzido de subvenções estatais, contribuição significativa do serviço público de televisão, investimentos obrigatórios por parte de radiodifusores de televisão licenciados, tais como o Canal +. Por último, embora a produção audiovisual americana não esteja verdadeiramente ameaçada, a audiência de determinados filmes polacos está gradualmente a ser recuperada.
Desenvolvimento de um sistema de radiodifusão completo
Embora os países da Europa Central e Oriental tencionem criar um sistema clássico dual abrangendo quer o serviço público, quer as estações comerciais, a concretização de tal projecto está a revelar-se problemática na prática:
Os países da Europa Central e Oriental defrontam-se com um determinado número de opções políticas, na prossecução do objectivo de criação de um sistema dual:
As relações entre a radiodifusão e a sociedade civil constituem mais um desafio. Quer antes, quer depois de 1989, várias vozes se levantaram na Europa Central e Oriental em defesa de um sistema de meios de comunicação social que preste uma contribuição para o crescimento e para o desenvolvimento da sociedade civil. No que respeita à radiodifusão, tal deveria concretizar-se através da criação de organismos de radiodifusão públicos socialmente responsáveis e da contribuição para a criação de um terceiro "sector cívico" oficialmente reconhecido e com financiamento público, isto é, estações privadas sem fins lucrativos representativas de uma grande variedade de opiniões, orientações e credos. Esta abordagem encontra-se reflectida em alguns instrumentos jurídicos30); todavia, até agora, pouco se efectuou na prática para transpor essas ideias.
Proteccionismo ou liberalismo como princípio orientador?
É importante recordar que os termos deste debate se encontram falseados pela insistência de alguns países em abordarem a questão exclusivamente do ponto de vista das relações comerciais e da liberdade de comércio e investimento. Nas sociedades em transição, em que o sistema de radiodifusão tem de ser inteiramente recriado, é necessária uma política pública activa destinada a criar um quadro para a radiodifusão que satisfaça as necessidades e os interesses do país em questão, sejam elas culturais, económicas ou tecnológicas. De outra forma, essas sociedades poderão considerar que não dispõem de sistemas de radiodifusão próprios e que perderam a capacidade para prosseguir o objectivo definido no preâmbulo da declaração política adoptada pela 5ª conferência sobre os meios de comunicação social, realizada em Tessalónica em 11 e 12 de Dezembro de 1997, ou seja, o objectivo de desenvolverem a sua política em matéria de meios de comunicação social de acordo com os princípios da independência, do respeito pelos direitos humanos e pelo pluralismo, na acepção do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e tendo em conta a diversidade cultural.
Integração europeia
Aparentemente, a Comunidade Europeia adoptou frequentemente no passado uma abordagem que consiste em considerar a Europa Central e Oriental exclusivamente como um mercado para a indústria audiovisual "europeia" (o que, neste caso, equivalia a europeia ocidental). Ignorou-se frequentemente a contribuição que a Europa Central e Oriental pode prestar em termos de criatividade e de produção, contribuindo precisamente para o objectivo de aumentar a quota de produtos e obras europeus no conjunto do mercado europeu. As organizações europeias devem considerar os países da Europa Central e Oriental como parceiros num esforço comum, e não como meros mercados, cooperando com eles de forma a permitir-lhes contribuírem para alcançar os fins comuns.
De outra forma, os países em questão serão de facto um mercado, mas não para os produtos e serviços audiovisuais europeus.
Para vários destes países, a adesão à Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos só serviu para se verem pressionados a abrir os seus mercados audiovisuais a um fluxo ilimitado de conteúdos. A OCDE considera inaceitáveis as quotas europeias relativas a conteúdos, na medida em que constituem discriminação em benefício de um grupo de países membros.
A União Europeia, por seu turno, tendo em vista a futura adesão dos países associados, requer a introdução da exigência de conteúdos europeus na legislação desses países. Os países da Europa Central membros da OCDE que actualmente procedem à introdução da exigência de conteúdos europeus, estão a violar directamente o seu compromisso de praticar a liberdade de comércio, na acepção que lhe é dada pela OCDE. O apoio da União Europeia aos países em questão é essencial para que estes possam alcançar os seus objectivos.
A sociedade da informação: que perspectivas para os países da Europa Central e Oriental?
No âmbito da sociedade da informação, as nações de menor dimensão não podem aspirar à independência no que se refere ao hardware e ao software: terão de importá-los do exterior. A única esperança destes países encontra-se nos domínios da informação e outros conteúdos, sendo esta a única forma que têm para contribuir para as redes de informação mundiais. Na sociedade da informação, o conteúdo é rei. É necessário produzir conteúdos para evitar que sejam completamente substituídos por conteúdos de outros países. Quer por razões culturais, quer por razões económicas, trata-se de um assunto de interesse nacional fundamental para os países em questão.
Os países mais avançados da Europa Central e Oriental conseguiram recuperar o seu atraso no desenvolvimento de um mercado audiovisual convencional de produção cinematográfica e televisiva, aproximando-se actualmente do final de um turbulento processo de transformação dos monopólios estatais em economias de mercado competitivas.
Contudo, actualmente está-se a criar um novo atraso: estes países estão a atrasar-se no desenvolvimento da sociedade da informação. Mais uma vez, poderão necessitar de apoio para modernizar as suas legislações, desenvolver planos coerentes para um futuro convergente, efectuar escolhas acertadas e encontrar novas fontes de financiamento.
RECOMENDAÇÃO A União Europeia deverá cooperar com os países da
Europa Central e Oriental considerando-os parceiros de pleno direito, em especial para
assegurar o desenvolvimento de um sistema de radiodifusão são e equilibrado e para
maximizar o potencial de criação de riqueza que a indústria dos conteúdos representa
na sociedade da informação emergente. |
NOTAS AO CAPÍTULO IV
29) As autoridades comunistas no domínio das telecomunicações não procuraram obter o máximo de frequências nas conferências mundiais das administrações de radiocomunicações, uma vez que pretendiam sujeitar a radiodifusão e as telecomunicações a um controlo rígido e limitar o respectivo acesso a poucas pessoas, devidamente seleccionadas. [ voltar ]
30) Tais como a legislação eslovena sobre os meios de comunicação social e a legislação polaca sobre a radiodifusão. [ voltar ]
A importância dos meios de comunicação social para a sociedade e para a democracia na Europa
O desenvolvimento tecnológico e o seu impacto nos meios de comunicação social audiovisuais
O impacto das novas tecnologias e a globalização dos mercados de conteúdos audiovisuais
Contexto geral a concorrência no mercado mundial
O financiamento da produção através da televisão
Medidas de apoio
Serviço público: importância e modo de financiamento
Quadro jurídico e organismos de regulamentação
Direitos de autor
Do sistema centralizado à concorrência do mercado: as perspectivas da indústria audiovisual na Europa Central e Oriental
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Presidente:
Marcelino Oreja Aguirre
Membro da Comissão Europeia responsável pela cultura e pelo audiovisual.
Membros
Francisco Pinto Balsemão (Portugal)
Presidente do European Institute of the Media.
Presidente do canal S.I.C. e do grupo editor Controljornal.
Ex-Primeiro-Ministro de Portugal.
José M. Bergareche (Espanha)
Conselheiro - Director Geral, grupo Correo.
Ex-Presidente da secção espanhola do International Press Institute
Ex-Presidente do IFRA (INCA-FIEJ Research Association).
Hervé Bourges (França)
Presidente do Conseil Supérieur de lAudiovisuel.
Ex-Presidente e Director Executivo da France Télévision e da TF1.
Liliana Cavani (Itália)
Realizadora, ex-membro do Conselho de Direcção da RAI.
Michael Kuhn (RU)
Presidente da Polygram Filmed Entertainment.
John McGrath (RU)
Cinema, TV , Teatro: escritor, realizador e produtor.
Professor convidado (Meios de comunicação social), Royal Holloway College.
Membro do BAFTA Council, BSAC ; ex-Channel 4 Board, PACT Council.
Jan Mojto (Áustria)
Presidente da Association of Commercial Televisions.
Presidente do Conselho de Direcção da Sat 1.
Director Executivo da Taurus Film/Kirch Gruppe.
Ex-Presidente da Telepiù.
Albert Scharf (Alemanha)
Presidente da European Broadcasting Union.
Director-Geral da Bayerischer Rundfunk.
Boleslaw Sulik (Polónia)
Crítico de cinema, autor de guiões, produtor de televisão.
Presidente do conselho nacional de radiodifusão polaco.
Secretário
Gregory PAULGER,
Chefe de Unidade, Direcção-Geral da Informação, Comunicação, Cultura e
Audiovisual (DG X).