Relatório do Grupo de Alto Nível sobre a política audiovisual presidido pelo Comissário Marcelino Oreja

II. Melhorar a competitividade da indústria audiovisual Europeia

II.1 Contexto geral – a concorrência no mercado mundial

A presença significativa de produções americanas no mercado audiovisual europeu, e mesmo no mercado audiovisual mundial, é uma característica bem conhecida deste século. Actualmente, a maior parte dos mercados europeus caracteriza-se por uma "bipolaridade" dual:

Em ambos os casos, o material europeu não nacional aparece geralmente num longínquo terceiro lugar, pelo menos nos mercados de maior dimensão. O grande ponto fraco da Europa reside no mercado das longas metragens não nacionais, precisamente aquele em que a presença americana é mais significativa.

As razões da predominância americana nos mercados audiovisuais europeus e nacionais, em especial no sector dos filmes, já foram analisadas noutra ocasião, sendo essencialmente as seguintes:

Os conteúdos determinam o interesse dos consumidores e a Europa necessita de desenvolver políticas orientadas para o futuro destinadas a permitir às empresas europeias tornarem-se mais competitivas no mercado global.

As secções seguintes do presente documento tratam essencialmente dos filmes de longa metragem, das obras de ficção e dos documentários para a televisão. Estes constituem o essencial dos catálogos de programas (o que nos EUA se chamaria "copyright industry"), que, por seu turno, constituem o fundamento da indústria audiovisual. A secção II.1 debruça-se sobre a análise da produção cinematográfica, enquanto a secção II.2 se dedica à produção televisiva. O Grupo decidiu concentrar a sua análise nestes dois tipos de conteúdos, não por ignorar a importância de outros tipos de programas (nomeadamente, programas desportivos e noticiários), ou o desenvolvimento de novos tipos de conteúdos (nomeadamente, jogos interactivos), mas por considerar que os filmes e as obras de ficção para a televisão são de importância estratégica e requerem uma atenção especial para efeitos do presente relatório.

Após um longo período de declínio, a taxa de frequência das salas de cinema na União Europeia tem vindo a aumentar (7,3% em relação a 1995) e o número de ecrãs de cinema na União Europeia tem vindo a crescer rapidamente, em parte graças ao desenvolvimento das salas multiplex. Contudo, este aumento tem beneficiado sobretudo a indústria americana, que viu a sua quota de mercado aumentar de 56 % para 78 % num período de dez anos. A quota de mercado dos filmes europeus diminuiu de 19 % para 10% no mesmo período. As receitas da indústria americana dependem, na prática, cada vez mais das exportações, que actualmente representam 43% das receitas das principais empresas cinematográficas americanas (majors), em comparação com os 30% de há 10 anos. Além disso, o motor deste crescimento são as vendas a canais de televisão não americanos, em especial canais de televisão por assinatura. As receitas provenientes da televisão por assinatura representam actualmente 25,7 % das receitas globais das majors americanas10). Para além da simples exportação de programas, as majors estão igualmente a criar canais de televisão temáticos na Europa, tais como o canal Disney em França.

A posição de força da indústria americana demonstra a importância do vínculo entre produção e distribuição. A indústria americana conseguiu dominar ambas. Na Europa, em contrapartida, embora a produção seja satisfatória em termos quantitativos, a capacidade da indústria audiovisual para distribuir os seus produtos deixa muito a desejar. Em 1996, foram produzidos 669 filmes (412 produções nacionais e 242 co-produções), em comparação com 421 nos Estados Unidos e 279 no Japão11). Contudo, os filmes europeus têm dificuldades consideráveis no que se refere à distribuição, em especial fora dos seus países de origem. As taxas de exportação na União Europeia (isto é, a percentagem das receitas de bilheteira fora do mercado nacional em relação às receitas de bilheteira na União Europeia na sua totalidade, incluindo o mercado nacional) revelam resultados medíocres na Alemanha (8,8%), França (16,2%) e Itália (27,9%). Por seu turno, os filmes britânicos, obtiveram dois terços das suas receitas de bilheteira através de exportações para outros países da UE12). Paradoxalmente, os filmes britânicos têm muito mais dificuldades de distribuição dentro do próprio Reino Unido, onde dominam os distribuidores americanos (as cinco principais majors de Hollywood representaram 78 % das receitas brutas de bilheteira no Reino Unido em 199713)). Na sua globalidade, o défice comercial UE/EUA tem vindo a aumentar a um ritmo mais elevado, tendo passado de 11% em 1995 para 18% em 1996. A balança comercial negativa relativa a filmes, programas de televisão e vídeos atingiu um total de 5.600 milhões de dólares em 1996 a favor dos EUA14). A última vez que um Estado-Membro da UE apresentou uma balança comercial positiva neste sector foi em 1989, ano em que o Reino Unido alcançou um resultado positivo de +66 milhões de libras esterlinas (o resultado de 1996 foi de -191 milhões de libras esterlinas). Em contrapartida, em 1996, a indústria cinematográfica americana obteve mais lucros nos mercados estrangeiros (12 095 milhões de dólares americanos) do que no mercado nacional (9 083 milhões de dólares americanos)15). Estes números recentes constituem uma prova do potencial que constitui uma indústria audiovisual de produção/distribuição próspera e integrada, potencial esse que ainda não foi explorado na Europa. Os números acrescentam ainda credibilidade ao firme apelo a um maior apoio público a favor da indústria europeia formulado na Conferência de Birmingham sobre o Audiovisual e sublinham a necessidade de passar de estruturas fragmentadas e orientadas para a produção para uma abordagem integrada e orientada para a distribuição.

A Europa ainda não reconheceu a importância estratégica de controlar a panóplia de direitos relativos a conteúdos de grande audiência. Não se trata aqui de uma consideração meramente cultural. De facto, quem controlar os direitos relativos aos conteúdos influenciará consideravelmente a forma de distribuição desses mesmos conteúdos. De facto, o controlo sobre os conteúdos confere o controlo sobre a distribuição e mesmo sobre a exibição: por exemplo, as majors americanas estão actualmente a investir consideravelmente na compra de salas de cinema na Europa. É importante que as empresas europeias do sector procurem maximizar os lucros obtidos através dos conteúdos que produzem e/ou controlam mediante a exploração exaustiva de todos os meios possíveis de distribuição, incluindo os proporcionados pelos novos meios de comunicação social "on-and off-line".

Ao procurar satisfazer a procura em expansão de filmes de longa metragem e de obras de ficção para televisão, a Europa pode aprender muito com Hollywood em termos de competitividade. A título de exemplo:

Existem motivos para um optimismo prudente. As produções europeias, em especial os filmes de longa metragem, estão em vias de regressar aos ecrãs, após a quebra acentuada registada no início da década de 90. Em 1997, os filmes europeus aumentaram a sua quota de mercado na França (35%), Espanha (30%), Itália (40%) e Alemanha (de 7% para 17%), embora, conforme referido anteriormente, tal aumento se tenha ficado sobretudo a dever ao sucesso dos filmes nacionais nos seus próprios mercados. A televisão, que constitui o núcleo do mercado, registou um aumento inequívoco do índice de audiência dos programas europeus em detrimento dos programas americanos. Embora os seus efeitos reais sejam difíceis de quantificar, afigura-se, efectivamente, que os diversos mecanismos de apoio à indústria audiovisual europeia introduzidos a nível europeu e a nível nacional nos últimos dez anos estão a contribuir para este sucesso.

Contudo, a Europa já conheceu situações semelhantes no passado, sendo prematuro proclamar a retoma da indústria cinematográfica europeia. É essencial evitar que a dinâmica criada ao longo dos últimos anos se dissipe, como aconteceu frequentemente no passado. Nesse sentido, há que actualizar e melhorar as estruturas de apoio actuais, de forma a maximizar a sua eficácia e o seu rendimento.

Em resumo: conforme indicado na secção I.3, a principal consequência da digitalização consistirá numa explosão da procura de produtos audiovisuais. A verdadeira questão que se coloca à Europa é a seguinte:

Esta explosão da procura de conteúdos audiovisuais, em especial de filmes, obras de ficção para televisão e documentários, será satisfeita mediante o recurso a material de arquivo e importado ou através de novos programas produzidos na Europa?

Se optarmos pela segunda hipótese, é absolutamente necessário criar condições para uma indústria audiovisual europeia competitiva.


RECOMENDAÇÕES

  • A Europa tem de criar condições para uma indústria de produção audiovisual competitiva que possa tirar o máximo partido da explosão prevista da procura de produtos audiovisuais.
  • Para alcançar este objectivo, a Europa tem de contar com as suas capacidades específicas, em especial mediante uma maior cooperação entre os diferentes países europeus. Poderá, para esse efeito, aprender muito com a América, em especial no que se refere a métodos de distribuição e a técnicas de marketing nos mercados internacionais.
  • O desenvolvimento na Europa de sectores de distribuição e de gestão de direitos caracterizados por um alto rendimento deverá constituir um objectivo prioritário da política europeia.

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II.2. O financiamento da produção através da televisão

Qualquer análise dos meios para melhorar a competitividade da indústria europeia implica reconhecer que os organismos de radiodifusão televisiva têm um papel fundamental no financiamento da produção cinematográfica e televisiva (sendo esta última, em muitos casos, uma produção "da casa").

É difícil obter números concretos sobre os investimentos dos canais europeus de televisão na produção. Esta dificuldade reside em parte no facto de um canal poder agir na qualidade de produtor único, co-produtor ou comprador de direitos de distribuição. Um problema adicional consiste na distinção entre o investimento em obras de ficção para televisão (telefilmes, séries, mini-séries, etc.) e em filmes de longa metragem. Contudo, estima-se que o montante total seja ligeiramente inferior a 15 mil milhões de ecus, três quartos dos quais provêm de radiodifusores alemães, britânicos, franceses e italianos.16)

No Reino Unido, Itália, França e Portugal, os canais de televisão são obrigados a investir na produção cinematográfica. O investimento dos canais de televisão em produções cinematográficas é, de facto, substancial nesses países. No Reino Unido, por exemplo, mais de um terço dos filmes produzidos em 1997 foram parcialmente financiados por radiodifusores17). Em Itália, existe uma nova legislação que obriga os radiodifusores públicos a investirem 20% das receitas da taxa de televisão na produção de obras de ficção para a televisão ou para o cinema e as empresas privadas de televisão a dedicarem 30% do seu orçamento global à produção ou à compra de obras de ficção europeias. Em França, pelo menos 42% do total dos investimentos no sector cinematográfico é realizado por canais de televisão, consistindo mais de metade em compras antecipadas e em produções do Canal+18). Em Portugal, as receitas da taxa de 4% sobre a publicidade televisiva constituem uma das maiores fontes do financiamento distribuído pelo Instituto Português de Arte Cinematográfica e Audiovisual (IPACA) para a produção de filmes.

Mesmo nos países em que não existe uma obrigação jurídica de investir, a importância dos canais de televisão não é despiciendo: na Alemanha, cerca de 50 % dos filmes são co-produzidos por empresas de televisão19). Em Espanha, a cadeia pública de radiodifusão RTVE investiu 12 milhões de ecus na compra de direitos de distribuição de filmes espanhóis em 1997 e a Sogecable prevê despender 16,9 milhões de ecus na compra desse tipo de direitos entre 1996 e 1998.

Haverá ainda que recordar que produção não significa apenas filmes de longa metragem: as produções destinadas exclusivamente à televisão podem ter tanto significado cultural como as produções cinematográficas e são essenciais para o desenvolvimento do sector.

A produção europeia para televisão tem aumentado continuamente ao longo dos últimos anos. As principais razões desse facto são as seguintes:

O elevado nível actual de investimento na produção audiovisual deve-se aos gastos crescentes com programação por parte dos radiodifusores privados e públicos (os primeiros, partindo de níveis inicialmente baixos, aumentaram consideravelmente os seus gastos; os últimos mantiveram, e, inclusivamente, aumentaram, níveis tradicionalmente altos de investimento na produção europeia).

Os membros do Grupo consideram que os radiodifusores deveriam prestar mais atenção ao marketing como parte integrante do processo de produção e de distribuição. O sucesso das produções de Hollywood explica-se em grande medida pelo facto de os orçamentos destinados ao respectivo marketing serem proporcionalmente muito mais elevados do que os previstos para as produções europeias, sendo-lhe igualmente atribuída uma importância muito superior. Neste aspecto, os canais de televisão privados na Europa podem contribuir com muitos dos conhecimentos e experiência necessários ao processo de produção audiovisual, uma vez que a sua sobrevivência depende do valor comercial dos programas que transmitem.

Tendo sublinhado a importância, em maior ou menor grau, quer dos radiodifusores públicos, quer dos privados, os membros do Grupo chegaram a um acordo sobre os seguintes aspectos:


RECOMENDAÇÕES

  • Os radiodifusores são a chave e a força motriz da produção audiovisual e as políticas de apoio à produção europeia deverão reconhecer esta realidade.
  • Os próprios radiodifusores, na sua qualidade de principais investidores na produção, deverão prestar uma maior atenção ao marketing como parte integrante do processo de produção e de distribuição.

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II.3. Medidas de apoio

Conforme indicado na secção I.1 do presente relatório, o sector audiovisual não é um sector como qualquer outro, uma vez que possui uma importância vital a nível social e cultural. Um mercado audiovisual europeu dominado pelos produtos culturais de uma outra sociedade resultaria possivelmente numa cidadania parcialmente alienada do seu próprio contexto cultural e histórico. Estas preocupações não são exclusivamente europeias, sendo partilhadas por várias sociedades no Extremo Oriente e mesmo por países do continente americano, tais como o Canadá. Para além disso, conforme indicado na secção II.2, a importância económica do sector é enorme, dado o seu potencial de crescimento e de criação de emprego na Europa. Contudo, por questão de princípio, a intervenção pública deverá limitar-se às áreas em que o mercado se revela claramente deficiente. Por outro lado, em matéria de apoio europeu (relativamente pequeno, quando comparado com o apoio a nível nacional) há que tomar em conta a diversidade das situações nacionais, procurando torná-lo complementar das políticas nacionais, acrescentando-lhes a dimensão europeia.

A situação ideal seria a de uma indústria europeia sem necessidade de apoio e de intervenção públicos. Contudo, tal afigura-se impossível num futuro próximo. A questão é, portanto, a de saber que forma deverão assumir esses apoio e intervenção para permitirem alcançar o melhor resultado possível.

O conteúdo "informação" (serviços de noticiário, financeiros e recreativos, assim como documentários) raramente cria um valor de catálogo. Os documentários constituem uma excepção, embora sejam, em geral, consideravelmente menos dispendiosos do que os filmes de longa metragem. Os entraves ao acesso ao mercado são, por conseguinte, relativamente menores, o que significa que este género de programas não deveria constituir uma prioridade para efeitos de apoio a nível europeu (à excepção dos documentários).

O conteúdo "entretenimento" é constituído por duas categorias principais, a saber, o desporto e os filmes de longa metragem.

Com algumas excepções, nomeadamente a Fórmula 1, o desporto não tem, na realidade, uma audiência internacional. Mesmo acontecimentos tais como os Jogos Olímpicos e o Campeonato do Mundo de Futebol têm de ser apresentados de forma diferente em função do público nacional, e o nível de interesse em cada país concreto depende em grande medida do desempenho das equipas ou representantes nacionais no acontecimento (veja-se o número recorde de 28 milhões de franceses que assistiu à final do Mundial na televisão). A directiva "Televisão sem fronteiras" (conforme alterada) 20) permite aos Estados-Membros exigir o acesso livre a determinados eventos de especial importância para a sociedade. A programação desportiva enquanto tal, em relação à qual a procura e os preços são elevados e a oferta abundante, constitui um exemplo de um conteúdo que não necessita de apoio europeu. Em contrapartida, os filmes de longa metragem, embora possuam um grande potencial internacional, são de produção dispendiosa. Existem, portanto, grandes entraves à entrada neste segmento de mercado. O mesmo argumento é aplicável, mutatis mutandis, às obras de ficção para televisão e aos documentários. Tais conteúdos são também os mais valiosos a longo prazo, dado o seu valor de catálogo. Se existe um sector que necessita de apoio, será precisamente este. As propostas de apoio formuladas pelo Grupo serão seguidamente descritas.

Fundos de titularização

Um dos principais problemas com que se debatem os produtores europeus é o do financiamento. As conclusões da reunião do Conselho de Ministros de 28 de Maio de 1998 referem-se especificamente ao interesse demonstrado pelos profissionais do sector na Conferência de Birmingham no que se refere à hipótese de criação de um instrumento financeiro destinado a atrair capital privado para a produção europeia. Trata-se, mais concretamente, da proposta da Comissão relativa à criação de um Fundo Europeu de Garantia 21), bem recebida pela indústria, pelo Parlamento Europeu e pela maioria dos Estados-Membros, mas que não conseguiu obter a necessária unanimidade a nível do Conselho. Contudo, mesmo os Estados-Membros que não puderam juntar-se à maioria a favor desta proposta, manifestaram um interesse suficiente pelo princípio (da existência de um instrumento comunitário destinado a atrair mais investimento do sector privado para a produção de obras europeias com um potencial internacional de vendas), de forma que a ideia não foi abandonada. Pelo contrário, deverá prosseguir-se energicamente o objectivo da criação do Fundo de Garantia; caso contrário, deverá elaborar-se e apresentar-se ao Parlamento Europeu um novo conjunto de propostas diferentes por ocasião da revisão do programa MEDIA II.

A este respeito, apresentam interesse os mecanismos de financiamento conhecidos sob o termo "titularização", que têm vindo a ser usados pela Fox e pela Universal (2 grandes majors americanas), assim como pela Polygram. Estes mecanismos prevêem a utilização de uma base limitada de capital próprio de um terceiro (normalmente 3 a 4%), combinada com um empréstimo bancário sob a forma de letras de titularização. Os fundos assim obtidos são utilizados para o financiamento dos custos negativos (nomeadamente, de produção) dos filmes produzidos pelos estúdios, permanecendo estes, contudo, com os direitos relativos à distribuição. Embora os estúdios não garantam o reembolso do empréstimo bancário, são obrigados a adoptar uma posição subordinada no que se refere à recuperação dos seus custos de distribuição e marketing, os quais, para garantir um lançamento adequado dos filmes, deverão ser equivalentes a pelo menos 60% dos custos negativos. Esta exigência mínima de financiamento em posição subordinada, combinada com o cruzamento dos resultados de todos os filmes financiados pela estrutura, oferece uma "garantia" eficaz (embora não absoluta) aos bancos.

Tais mecanismos permitem em grande medida aos estúdios de Hollywood financiarem os seus filmes com custos relativamente baixos, e poderiam ser utilizados como modelo para sistemas semelhantes a nível comunitário. Nomeadamente, poderia considerar-se o seguinte sistema:

Este financiamento, para além de ser relativamente pouco dispendioso, não se inscreveria na contabilidade das empresas em questão, um benefício fundamental em termos contabilísticos (evitando, nomeadamente, preocupações desnecessárias por parte dos accionistas).

Desta forma, com uma contribuição comunitária de 25 milhões de ecus, seria possível injectar na produção e distribuição europeias um montante adicional de 800 milhões de ecus. Este tipo de sistema já se revelou eficaz no caso das grandes empresas, com capacidade para oferecer o número necessário de filmes22). A questão fundamental no que se refere à viabilidade deste sistema na Europa é saber se é possível constituir consórcios, provavelmente integrados por empresas de diversos Estados-Membros, capazes de proporcionarem conjuntamente o necessário potencial de produção e de distribuição. No caso afirmativo, o impacto estrutural de tal sistema será considerável, sendo o investimento consequentemente interessante em termos de custo/eficácia23). Uma vez que a contribuição comunitária seria relativamente reduzida, poder-se-ia, através da inclusão das disposições necessárias na proposta geral de revisão do programa MEDIA II, evitar a necessidade de apresentação de uma proposta separada.

Uma rede de escolas de cinema e de televisão para a Europa.

Existe na Europa uma grande tradição de escolas de cinema e de televisão com uma oferta abundante, a nível nacional, de cursos de formação inicial. Com base nesta tradição, deveria actuar-se de três formas a nível europeu:

Em termos concretos, isto traduzir-se-ia num apoio crescente do programa MEDIA à rede de instituições que proporcionam cursos de formação contínua e profissional em técnicas de gestão de empresas de meios de comunicação social a nível internacional (aspectos negociais, financeiros, relativos a operações de marketing e jurídicos).

A rede proporcionaria igualmente formação em matéria de elaboração de guiões e seu desenvolvimento para o mercado internacional, de efeitos especiais, assim como de tecnologia e animação por computador. Deverá solicitar-se às organizações financiadas pelo programa MEDIA que empreguem todos os seus esforços no sentido de estender as suas actividades para além da Europa Ocidental e do Norte, quer de um ponto de vista geográfico, quer de um ponto de vista linguístico, de forma a compensar o desequilíbrio actualmente existente em desfavor da Europa Oriental e do Sul.

O reforço e a ampliação das redes europeias de formação no âmbito do programa MEDIA exige, por razões de coerência, um alto nível de coordenação entre os centros de excelência. Esta coordenação deve ser facilitada, nomeadamente proporcionando à televisão e ao cinema europeus um "centro dos centros" de carácter simbólico, mediante a criação de uma "Escola Europeia de Cinema e de Televisão", isto é, um centro material onde seria possível realizar actividades de coordenação e onde os profissionais da formação se poderiam reunir periodicamente. Este centro deveria ser em parte auto-financiado e em parte financiado pelas empresas, devendo ainda dispor de um apoio adicional (pelo menos na fase de arranque) por parte do programa MEDIA e dos Governos nacionais.

Concessão de prémios europeus

Mesmo que se conceda ao sector audiovisual europeu os recursos financeiros, o ambiente normativo e a formação adequados, será ainda necessário um acontecimento de prestígio destinado a homenagear as suas produções cinematográficas e televisivas. A Academia Europeia de Cinema ("European Film Academy") tem vindo a organizar desde há alguns anos uma cerimónia de entrega de prémios cinematográficos (antes conhecidos como prémios "Felix"), tendo-se ultimamente esforçado significativamente por revalorizar o prestígio desses prémios. Os Estados Unidos têm "Academy Awards" (os "Óscares") e seus equivalentes para a televisão (os "Emmys"), que constituem excelentes instrumentos de marketing. A indústria europeia poderia beneficiar em grande medida de uma cerimónia de entrega de prémios com um impacto comparável. O Grupo de Alto Nível considera que esta ideia deveria ser executada o mais rapidamente possível por aqueles que operam no sector, em especial pela Academia, podendo a Comissão desempenhar o papel de promotora do acontecimento. Esta proposta, inicialmente avançada pelo Grupo de Alto Nível, foi apoiada por Jacques SANTER, Presidente da Comissão Europeia, na Conferência Europeia sobre o Audiovisual 24) realizada em Birmingham.

O programa MEDIA II

O programa MEDIA constitui um complemento necessário aos programas nacionais de apoio. Dado que o montante disponível para efeitos de financiamento é limitado, o programa deverá continuar a centrar-se na promoção da distribuição pan-europeia de filmes europeus, assim como na conversão das empresas europeias em operadores influentes na Europa e a nível internacional.

Com base na experiência adquirida com o programa MEDIA I, o programa MEDIA II identificou três domínios fundamentais:

O programa entrou em funcionamento em 1 de Janeiro de 1996, com um orçamento de 310 milhões de ecus. O Grupo de Alto Nível formulou algumas observações iniciais destinadas à revisão intercalar do programa MEDIA II.

O Grupo manifestou-se a favor das 3 áreas prioritárias do programa MEDIA II. A sua reduzida lista de prioridades em relação ao programa MEDIA I, torna-o mais compreensível e transparente; os custos de gestão foram também consideravelmente reduzidos.

O Grupo aprovou igualmente a criação, em 1997, de um sistema de "apoio automático" à distribuição de filmes em salas de cinema. Este sistema faz depender o apoio concedido aos filmes do seu sucesso de bilheteria nos mercados europeus, excluindo o mercado nacional. O mecanismo de apoio recompensa o sucesso, contribuindo, portanto, para a competitividade do sector audiovisual europeu. Para além disso, o sistema permite a recolha de dados estatísticos de importância fundamental, contribuindo assim para um conhecimento mais aprofundado do mercado europeu. Este mecanismo de apoio deveria, por conseguinte, ser instituído numa base permanente, devendo aumentar-se o orçamento previsto para o apoio "automático" (por oposição ao apoio selectivo). O alargamento do apoio automático a outras formas de distribuição, nomeadamente, o vídeo (mais uma vez, apenas fora do mercado nacional), deverá igualmente ser objecto de cuidada ponderação.

Os custos de dobragem e de legendagem deverão continuar isentos de reembolso no âmbito do programa MEDIA, uma vez que estas actividades contribuem para a circulação de filmes europeus. Seria altamente desejável aumentar e ampliar o apoio à dobragem e à legendagem de produções televisivas, de forma a promover o intercâmbio de programas entre radiodifusores europeus.

Embora o funcionamento do programa MEDIA II seja satisfatório, é ainda possível melhorá-lo. As práticas de gestão devem ser melhoradas, e o período de 12 semanas estabelecido para celebrar contratos e para efectuar pagamentos deve ser reduzido para 4-6 semanas. A transparência também deve ser aumentada, nomeadamente através da justificação das decisões da Comissão, salvaguardando a independência dos avaliadores do projecto em questão.

No âmbito da formação profissional contínua, o programa MEDIA poderia contribuir decisivamente para a rede de escolas europeias de cinema e de televisão anteriormente descrita.

Deve igualmente aumentar-se o orçamento dedicado ao desenvolvimento. O Grupo propõe que o apoio da UE deixe de consistir num empréstimo único, não recorrente e excepcional e passe a ser concedido por etapas, com uma avaliação do potencial dos guiões em cada etapa e um limite máximo de financiamento muito mais elevado. Poderá considerar-se uma abordagem em "dois planos", o primeiro aberto a todos, como sucede actualmente, e o segundo destinado a empresas com um historial comprovado de sucessos, uma capacidade demonstrada para produzir um catálogo de filmes e um acesso comprovável ao financiamento em associação.

O departamento de Desenvolvimento do "British Screen" é um dos fundos nacionais que mais êxito tem demonstrado e, tendo presentes os seus métodos, seria desejável que o fundo de desenvolvimento fosse um fundo permanentemente renovável com recuperação completa, adicionada de um prémio por cada filme em fase de produção. Seria assim possível criar um fundo de dimensão crescente, apoiar mais produtores e aumentar o incentivo ao desenvolvimento adequado de um filme antes da passagem à sua fase de produção.

O sistema de pagamentos e de reembolsos instituído no início do programa Media II deverá ser integralmente reformulado. Se um filme apoiado pelo fundo de desenvolvimento do programa Media II não atingir o estádio da produção, a verba investida deve considerar-se perdida a 100%. A menos que o produtor tenha violado o contrato, a apreciação por parte do fundo de desenvolvimento torna este co-responsável, juntamente com o produtor. Penalizar um produtor pelo fracasso do seu projecto é incorrecto e repressivo.

O financiamento do desenvolvimento constitui um investimento de alto risco, devendo, por conseguinte, ser concedido aos produtores numa base ainda mais restritiva do que a actual, tomando em conta critérios económicos e culturais. Os projectos seleccionados devem ser financiados enquanto forem viáveis e continuar a ser apoiados se for necessário prolongar a sua fase de desenvolvimento, devendo o apoio ser suprimido sempre que os projectos se tornem inviáveis.

O vídeo é frequentemente bastante mais lucrativo do que as exibições cinematográficas. A única modalidade de apoio prevista pelo programa Media II consiste, contudo, na concessão de benefícios de tesouraria, sendo os montantes disponíveis bastante escassos. O regime actual é pouco rentável e deverá ser revisto. Também neste domínio, deverá considerar-se a introdução de um sistema de apoio automático, tomando em conta o potencial oferecido pelo videodisco digital.

Finalmente, quando comparado às despesas da UE noutros sectores e tendo em conta a importância estratégica do sector e o seu enorme potencial de crescimento, o orçamento dedicado ao programa MEDIA afigura-se insuficiente, devendo, por conseguinte, ser substancialmente aumentado. O programa MEDIA deverá igualmente ser convertido num programa plurianual, permanentemente renovável, tal como os programas-quadro de IDT. Haverá que considerar a introdução das modificações necessárias ao reforço do programa o mais brevemente possível, e, de qualquer forma, muito antes da data actualmente prevista para o seu termo, ou seja, 31 de Dezembro de 2000.

Incentivar as empresas de radiodifusão televisiva a investir na produção

O investimento dos radiodifusores na produção audiovisual, em especial nos filmes de longa metragem, é normalmente efectuado por financiamento directo. Contudo, a televisão tem várias outras possibilidades de desempenhar um papel mais importante em termos de financiamento ou de apoio à produção. A título de exemplo:

Os radiodifusores podem contribuir significativamente para apoiar a produção, quer por iniciativa própria, quer, no caso dos radiodifusores públicos, através da sua missão de serviço público. Contudo, os acordos de "associação" voluntários entre as autoridades públicas e os radiodifusores privados podem igualmente desempenhar um papel importante, como o demonstra o exemplo português.

Nos termos do acordo em questão, o Governo português reembolsa os investimentos do radiodifusor (SIC) na produção de filmes25). Este reembolso por parte do Estado deve ser utilizado para financiar novas produções audiovisuais. O radiodifusor tem a possibilidade de escolher entre uma gama de produções, incluindo as seleccionadas pelo Instituto Português de Arte Cinematográfica e Audiovisual (IPACA), podendo assim eleger aquelas que mais se adaptam ao seu público específico. O financiamento pode ser directo ou através de acções de promoção. O radiodifusor beneficia com o sistema, na medida em que adquire um determinado controlo sobre os projectos seleccionados para financiamento e o direito de transmitir o filme em questão. O produtor beneficia da intensa promoção do filme e da garantia da sua transmissão televisiva. O resultado global é um aumento da produção. Embora este tipo de acordos tenham um carácter essencialmente nacional, a Comunidade e os Estados-Membros deveriam considerar métodos de promover o seu alargamento, e, em especial, a forma de explorar o potencial internacional dos filmes e dos programas produzidos. Isto é particularmente importante no caso dos mercados de menor dimensão.


RECOMENDAÇÕES

  • As medidas actuais de apoio deverão ser adaptadas e complementadas, sendo considerados fundamentais os seguintes aspectos:
  • Introdução de um mecanismo destinado a atrair mais investimentos na produção europeia, como, por exemplo, um sistema de "titularização";
  • Criação de uma rede europeia de escolas de cinema e de televisão destinada a interligar centros de excelência, incluindo, eventualmente, um "centro dos centros" que constitua um símbolo;
  • Promoção de uma cerimónia europeia de entrega de prémios;
  • Reforço do programa MEDIA II, que deve ser dotado de recursos adequados à dimensão e à importância estratégica do sector. Há que conceder especial atenção à formação, à distribuição, à concepção de guiões e ao marketing. É necessário agir rapidamente neste domínio;
  • Promoção de acordos de associação entre os radiodifusores, incluindo radiodifusores privados, e as autoridades públicas (com possível apoio comunitário à dimensão internacional).

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NOTAS AO CAPÍTULO II

10) "The European Film Industry under Analysis : Second Information Report 1997", Comissão Europeia, DG X/C (Direcção-Geral da Cultura e do Audiovisual), p. 15. [ voltar ]

11) EUROSTAT "The Audiovisual sector in the Europaan Economic Area in the 1990's" Statistics in Focus 98/2 de 10/2/1998.  [ voltar ]

12) Fonte: Observatório Europeu do Audiovisual.  [ voltar ]

13) "A Bigger Picture: The Report of the Film Policy Review Group", Ministério da Cultura, dos Meios de Comunicação Social e do Desporto, Março de 1998.  [ voltar ]

14)  Observatório Europeu do Audiovisual, Anuário de 1998.  [ voltar ]

15) Observatório Europeu do Audiovisual. Anuário de 1998.  [ voltar ]

16) IDATE: "Le marché mondial de l’audiovisuel et du cinéma. Analyse sectorielle". (Novembro de 1996).  [ voltar ]

17) "Screen Finance", Outubro de 1997.  [ voltar ]

18) "CNC info", Maio de 1997.  [ voltar ]

19) "Evangelischer Pressedienst" (edição especial).  [ voltar ]

20) Directiva 89/552/CEE, conforme alterada pela Directiva 97/36/CE (Jornal Oficial das Comunidades Europeias n° L 202 de 30.7.97, p. 60). [ voltar ]

21) A proposta da Comissão relativa à criação de um Fundo Europeu de Garantia COM(95)546 permanece na ordem do dia; contudo, ainda não conseguiu alcançar a necessária unanimidade a nível do Conselho.  [ voltar ]

22) De acordo com este método, a Universal obteve recentemente 1100 milhões de dólares e a Polygram 690 milhões. [ voltar ]

23) Especialmente na hipótese de a própria Comunidade se encontrar em segundo ou terceiro lugar na lista dos beneficiários dos lucros obtidos por cada grupo de filmes, o que lhe permitiria recuperar o seu investimento inicial com vista a precaver-se contra eventuais perdas ou a fazer novos investimentos.  [ voltar ]

24) A proposta despertou subsequentemente um grande interesse e foi bem acolhida pelos Ministros responsáveis pelos assuntos audiovisuais na reunião do Conselho de 28 de Maio de 1998.  [ voltar ]

25) O primeiro filme produzido no âmbito deste acordo, "Tentação", foi lançado em Dezembro de 1997 e registou uma audiência de 300 000 espectadores num período de três meses em Portugal, um recorde para um filme português no mercado nacional.  [ voltar ]


ÍNDICE CAPÍTULO III